Nenhuma das transformações ressaltadas acima foi prevista pelas teorias dominantes em ciências sociais. No campo da política doméstica, as teorias sobre a transição de regimes autoritários para democracias, bem como as teorias sobre as novas democracias, faziam previsões pessimistas sobre a sustentabilidade e a qualidade dos regimes políticos competitivos que substituíram governos autoritários. Eles seriam instáveis devido à natureza de suas instituições e das práticas políticas das elites, condenados, assim, a formas de populismo, à política de clientela, a processos eleitorais viciados, e à ingovernabilidade.
Na verdade, embora esses padrões e práticas ainda se façam presentes, estudos recentes de várias matrizes têm encontrado fortes indícios de comportamento eleitoral regular e previsível, rearticulação politicamente negociada entre níveis de governo nos processos de reforma setorial das políticas públicas, substancial elevação do acesso a políticas, principalmente entre os mais pobres, além de transformações significativas nas dinâmicas urbanas e metropolitanas. O mercado de trabalho se alterou e o acesso à educação foi ampliado, abrido oportunidades para grupos até então fortemente marginalizados. Diversas dessas mudanças se expressam em melhora dos indicadores sociais, na redução da pobreza e das desigualdades de ingressos e de acesso a políticas, apesar da manutenção da instabilidade nas relações formais de emprego.
As teorias dominantes previram que a globalização afetaria a integridade dos estados nacionais. O caso brasileiro mais uma vez desafia tais predições. No campo das relações internacionais, as teorias sistêmicas previam pouco ou nenhum espaço de atuação autônoma para países que não fizessem parte do clube das potências econômicas e militares. Para essas teorias, a ascensão econômica e política dos países do sul e a intensificação das relações econômicas e políticas no eixo sul-sul não constituíam possibilidades inscritas na lógica de funcionamento de um sistema definido pela relação entre potências e/ou entre economias desenvolvidas.
O mercado de trabalho, principal lócus da obtenção de renda dos cidadãos, vem apresentando desempenho inesperado contradizendo as interpretações dominantes. A rearticulação das estruturas produtivas, em particular as metropolitanas, coloca novas demandas e desafios, não inteiramente incorporados à agenda de pesquisa. Neste particular, a política educacional – básica e universitária – e sua articulação com o mercado de trabalho requer maior diálogo com a literatura internacional.
A trajetória do Brasil, nas últimas duas décadas, contradiz os resultados esperados pelas teorias caras aos cientistas políticos, sociólogos e internacionalistas. Por esta razão, entender os processos de transformação no plano interno e na projeção externa do país poderá trazer contribuições relevantes não só para o conhecimento empírico daqueles processos, mas para a revisão das teorias correntes na análise dos fenômenos internacionais e da política doméstica.
Este é o programa de pesquisa do NAP aqui proposto. Trata-se de um programa de pesquisas amplo e de longo prazo. A proposta ancora-se em uma integração de competências já acumuladas pela equipe que propõe este projeto, propondo impor uma ênfase em estudos que adotem a perspectiva comparada, permitindo assim um maior diálogo e integração com a produção internacional de ponta em ciências sociais.
O estudo da experiência brasileira recente terá sempre cunho comparativo e concentrará nos seguintes temas:
- Comportamento eleitoral e dinâmicas partidárias;
- Federalismo e relações intergovernamentais;
- Políticas sociais e desigualdade;
- Emprego e mercado de trabalho;
- Políticas urbanas, segregação e desigualdades sócio-espaciais;
- Comércio internacional;
- Bases domésticas e internacionais das coalizões Sul/Sul;
- Interdependência e cooperação política em organizações internacionais.